Sustentabilidade
03/07/2025Nova MP propõe tarifa social simplificada, liberdade de escolha e medidas para equilibrar divisão dos custos com eletricidade
Ministério de Minas e Energia participa de debate na FecomercioSP e detalha os pontos centrais da medida que vai refletir diretamente nas empresas e nos consumidores

“A nova MP quer simplificar a tarifa social, abrir o mercado de energia e dividir os custos de forma mais justa”, iniciou Fernando Colli Munhoz, secretário-executivo-adjunto da Secretaria Executiva do Ministério de Minas e Energia (MME), em sua participação na reunião de junho do Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
A reforma do setor Elétrico e os principais pontos da Medida Provisória (MP) 1.300/2025 — que trata de mudanças na tarifa social, abertura do mercado livre para consumidores de baixa tensão e medidas de equilíbrio na área foram discutidas com as empresas-membro do conselho e as entidades parceiras.
Na apresentação, Munhoz explicou os principais pontos da medida, trazendo novidades que podem mudar a forma como consumidores — principalmente famílias de baixa renda e pequenas empresas — pagam pela energia elétrica. “De forma prática, a MP se apoia em três pilares: justiça social, liberdade de escolha e equilíbrio na divisão dos custos do sistema elétrico”, destacou. A seguir, entenda cada um deles, o que muda na prática e como isso pode impactar a conta de luz de todos.
Nova tarifa social
Hoje, a tarifa social de energia elétrica funciona com descontos progressivos que variam de acordo com o consumo mensal e a faixa de renda familiar. Isso torna o cálculo complexo — muitos consumidores nem sequer sabem a faixa de desconto à qual têm direito. A proposta estipula:
- gratuidade para quem consumir até 80 kWh/mês (famílias com renda per capita de até meio salário mínimo);
- a partir de 81 kWh, passa-se a pagar a tarifa normal, exceto pelo encargo da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que continua isento para essa faixa.
Segundo Munhoz, essa mudança padroniza o tratamento para consumidores de baixa renda em todo o País, independentemente da concessionária ou do Estado. Ele afirmou também que a simplificação pretende reduzir custos operacionais, inadimplência e a necessidade de cobrança em áreas remotas. “Com uma tabela mais clara, o consumidor entende melhor o benefício e consegue planejar o consumo”, explicou. “Para famílias com renda de meio a um salário mínimo per capita, será mantido o desconto na componente CDE da fatura, aliviando o custo final.”
Liberdade de escolha para pequenos consumidores
O segundo pilar da MP trata de abrir o mercado livre de energia para consumidores de baixa tensão, como lojas, restaurantes, pequenos comércios e residências. Atualmente, 98% das 6,15 milhões de unidades consumidoras comerciais estão na baixa tensão e não podem escolher o fornecedor de energia, sendo obrigadas a comprar da distribuidora local. Com a nova regra, poderão migrar para o mercado livre a partir de agosto de 2026 indústrias e comércios, e a partir de 1º de dezembro de 2027, os demais consumidores.
Para o MME, isso pode trazer redução de até 20% no custo da energia — parte mais pesada da fatura. “Uma loja com conta de luz de R$ 10 mil, por exemplo, poderá economizar cerca de R$ 400 por mês com a migração para o mercado livre, compensando o impacto da nova tarifa social”, detalhou Munhoz.
Divisão mais justa dos encargos
O último eixo da MP busca corrigir distorções na forma como os encargos do setor Elétrico são divididos. Atualmente, quem está no mercado regulado — em sua maioria consumidores de baixa tensão — arca praticamente sozinho com os custos dos programas Angra 1 e 2, da Geração Distribuída (GD) e da CDE.
A proposta, segundo o secretário-executivo-adjunto, faz com que todos os consumidores, inclusive os do mercado livre, passem a dividir esses encargos. “A ideia é retomar a regra anterior a 2016, em que o rateio era proporcional ao consumo, e não à classe de tensão — evitando que grandes consumidores de alta tensão paguem menos, enquanto o pequeno comércio paga mais por unidade de energia.”
Repercussões diretas para o Comércio
Para o Comércio, que concentra grande parte dos consumidores de baixa tensão, essas medidas significam mais previsibilidade, possibilidade de economizar com a compra de energia no mercado livre e divisão mais justa dos custos do setor. “Estamos criando um ambiente que recompensa quem é eficiente, corrige distorções e dá transparência para todo o sistema”, resumiu Munhoz.
A expectativa é que, mesmo com o custo de manter uma tarifa social mais generosa, os ganhos com a abertura do mercado e a revisão dos encargos neutralizem os efeitos no médio prazo.
Nesse contexto, o presidente do conselho, José Goldemberg, indagou como o ministério medirá que a abertura do mercado vai, de fato, reduzir os preços. “Foram realizadas simulações para avaliar isso? Hoje temos um sistema regulado — o que vai acontecer com a eletricidade? Será como foi com a telefonia celular, que partiu do zero e permitiu o surgimento de várias empresas? Como podemos ter certeza de que o custo vai cair?”, questionou o professor.
“O que nos dá confiança de que a abertura do mercado livre realmente vai reduzir o custo é o que já vemos, hoje, na prática. A maioria dos consumidores que podem migrar — especialmente aqueles em média e alta tensões — não retorna mais ao mercado regulado. Isso significa que há condições de preço melhores no mercado livre. Se não fosse assim, voltariam para a distribuidora. É uma decisão puramente econômica”, respondeu o secretário-executivo-adjunto.
Segundo ele, existem estudos internos e análises independentes. “Um exemplo é o levantamento da Volt Robotics, publicado pelo UOL, que indica que a economia pode ultrapassar 20%, dependendo de onde o consumidor está conectado. E o mais importante: a escolha é opcional. Ele só migra se houver benefício econômico real”, complementou Munhoz.
De acordo com o especialista do MME, a MP também corrige o critério de divisão de custos do setor, que, atualmente, penaliza de forma injusta quem está no mercado regulado. “Por fim, queremos modernizar o setor, corrigir as distorções que já existem e dar ao consumidor o poder de decidir, sempre com base no que já funciona hoje no mercado livre”, concluiu, colocando-se à disposição para continuar o diálogo e aprimorar o texto no Congresso.
Um setor antes admirado que perdeu força
Fazendo um importante contraponto nas discussões, a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE), presidida por Luiz Eduardo Barata, defendeu os interesses das empresas frente à medida de forma contundente. “O setor Elétrico precisa de reforma estrutural, não de soluções pontuais. O excesso de remendos no modelo atual traz riscos e custos adicionais para os consumidores, o Comércio e a Indústria.”
Com 50 anos de experiência no mercado, Barata relembrou que, até a década passada, o setor Elétrico brasileiro era respeitado mundialmente pela sua competência técnica e pelo modelo de expansão. Mas, segundo ele, a realidade mudou drasticamente nos últimos dez anos. “Adotamos soluções simplistas para problemas cada vez mais complexos. E quando a base do sistema muda, é preciso ter coragem de rever toda a estrutura. Mas o Brasil vem remendando o setor, criando um ciclo de distorções que afeta consumidores e empresas”, ilustrou.
Mudança na matriz e no consumo exige revisão
De acordo com Barata, o modelo foi construído com base em uma matriz hidrotérmica tradicional, com foco no ambiente regulado. Hoje, no entanto, as renováveis intermitentes já ocupam fatia expressiva, o mercado livre cresce e a geração distribuída se expande rapidamente. “Quando as bases mudam, tudo muda junto. E o setor é um sistema fechado: mexeu em uma ponta, impacta toda a cadeia”, afirmou o especialista.
Embora reconheça os objetivos corretos da MP 1.300/2025 — como garantir tarifa social justa e abrir o mercado livre —, Barata alertou que a medida trata apenas parte do problema, ignorando custos adicionais que seguem pressionando o valor final da conta de luz. “A proposta transfere encargos para outros grupos em vez de reduzir o custo global da energia. É a mesma lógica de medidas anteriores, como a do Amapá e do Amazonas, que resolveram pontualmente um caso e empurraram a fatura para todos os demais”, criticou.
Riscos para o Comércio e a Indústria — e inflação
Um ponto de preocupação geral é a consequência do aumento do custo de energia para o Comércio e a Indústria, setores diretamente afetados por qualquer alta de custos fixos. “A conta de luz mais cara esbarra na inflação. Estamos tentando conter preços, mas o efeito vem em cascata, encarecendo a produção, o transporte, o consumo”, explicou Barata.
O presidente da FNCE destacou ainda que abrir o mercado livre já em 2026 e 2027 sem resolver contratos em vigor pode gerar passivo para as distribuidoras, que terão obrigações financeiras a cumprir mesmo perdendo consumidores. “Participei das duas grandes reformas do setor [em 1998 e em 2003/2004] com processos difíceis, mas que ajustaram o sistema. Agora, as condições mudaram de novo. É hora de sentar, discutir de verdade e redesenhar o arcabouço. Só assim teremos energia mais barata e previsível para todos”, concluiu.
Soluções defendidas pela FecomercioSP
A Federação compartilha o posicionamento da FNCE. “Não somos contrários à tarifa social — reconhecemos a sua importância —, mas defendemos com firmeza que, se é para modernizar as regras, que se faça de forma justa. Que o custo desse benefício não pese mais no bolso dos outros consumidores, especialmente das empresas de Comércio e Serviços, que já sofrem com margens apertadas e reflexos diretos sobre a operação. A proposta, do jeito que está, transfere o impacto agora, com início imediato em julho, enquanto o suposto reequilíbrio do sistema é incerto e só viria a longo prazo — isso se vier”, pontuou Cristiane Cortez, assessora da FecomercioSP.
Para a Entidade, é preocupante ver que, em vez de corrigir distorções, o Congresso insira “jabutis” que desequilibram ainda mais o setor, como aconteceu na Lei das Eólicas Offshore. O governo vetou trechos corretamente — inclusive pleiteados e defendidos pela Federação —, mas os vetos foram derrubados, gerando custos bilionários à CDE e ao Proinfa.
O resultado é um horizonte de custo de energia cada vez mais alto para quem produz, emprega e mantém o Comércio vivo. “É preciso responsabilidade para não comprometer o poder de compra da população nem empurrar o Comércio para uma conjuntura de custos insustentáveis. Modernizar o setor Elétrico é urgente, mas precisa ser feito de forma transparente, sem penalizar quem já paga a conta”, reiterou Cristiane.
A discussão sobre o futuro da matriz energética brasileira ganhou novos contornos com a derrubada, pelo Congresso Nacional, de parte dos vetos presidenciais à Lei das Eólicas Offshore. A decisão abriu espaço para a permanência dos “jabutis”, que impõem medidas como a contratação obrigatória de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e térmicas a gás e carvão, além da prorrogação de contratos do Proinfa, programa de incentivo a fontes alternativas de energia elétrica.
Segundo a FecomercioSP, que atua fortemente na questão, o caminho é avançar em uma política energética mais transparente, previsível e alinhada com compromissos de sustentabilidade. Dentre as prioridades, destacam-se regulamentar a Lei 14.993/2024 (Combustível do Futuro) para ampliar o uso de biomassa na geração de eletricidade; reduzir a dependência de térmicas fósseis caras e poluentes; implantar medidas de eficiência energética, com estímulo à reindustrialização sustentável; e barrar dispositivos que imponham custos injustos ao consumidor sem contrapartidas ambientais reais.
A Federação seguirá o seu plano de advocacy para reforçar que o Executivo deve liderar o debate, com o objetivo de evitar que novas emendas estranhas ao tema prosperem sem avaliação técnica e diálogo com o setor produtivo e a sociedade. A Entidade já consolidou o seu posicionamento sobre a MP 1.300/2025 e encaminhará ofício para sensibilizar o Poder Público. Inclusive, a Agenda Verde FecomercioSP tem como uma de suas propostas que o País adote medidas mais fortes para implantar eficiência energética e que promova uma política de reindustrialização pautada em atributos sustentáveis.
Saiba mais
Acesse, a seguir, o posicionamento da FecomercioSP e todas as iniciativas já realizadas em prol do desenvolvimento sustentável do setor.
- Nova MP não será suficiente para conter impactos perversos sobre Lei das Eólicas Offshore
- Lei das Eólicas encarece energia e vai na contramão de ambição climática brasileira
- FecomercioSP propõe Agenda Verde para um Brasil mais sustentável
- Medida provisória do setor elétrico repassará custos para PMEs
- Vetos aos jabutis da lei de energia offshore precisam ser mantidos
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