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Editorial

Terras raras em disputa

Detentor da 2ª maior reserva mundial — atrás apenas da China — Brasil não tem tecnologia de extração nem com potenciais compradores

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Terras raras em disputa
Distante dos conflitos internacionais, o Brasil detém a segunda maior reserva de terras raras do mundo — e poderia ser protagonista nesse mercado (Crédito: Revista PB)

Terras raras são um conjunto de elementos químicos, normalmente encontrados na natureza misturados a minérios, de difícil extração, mas com características únicas, como magnetismo intenso e absorção e emissão de luz. São essenciais na fabricação de produtos ligados à energia limpa e outros bens cada vez mais comuns no cotidiano — como ímãs permanentes de alta performance usados em turbinas eólicas, carros elétricos, monitores planos, lentes, smartphones, lâmpadas LED e equipamentos médicos de última geração —, e tornando-se alvo de disputa geopolítica mundial nos últimos 15 anos.

O ápice dessa briga chegou agora, em 2025, com a guerra comercial entre Estados Unidos e China, mas, ainda em 2012, em uma época bem menos turbulenta, o então presidente norte-americano, Barack Obama, já havia alertado a Organização Mundial do Comércio (OMC) quanto ao monopólio da China no setor. O gigante asiático é dono não apenas das maiores reservas mundiais de minerais críticos — grupo de elementos químicos um pouco mais amplo que o de terras raras, mas também de disponibilidade restrita —, como também de toda a cadeia produtiva de ímãs permanentes, o que o tornou praticamente um fornecedor único de montadoras, fabricantes de produtos aeroespaciais e empresas de semicondutores nos Estados Unidos.

No fim de junho, o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aceitou um acordo com a potência oriental que, em represália às tarifas impostas pelo governo norte-americano, havia suspendido as exportações de ímãs permanentes para as indústrias estadunidenses, tornando iminente um colapso na produção. Paralelamente, uma contenda semelhante ocorre no conflito entre Rússia e Ucrânia. Diante das vastas reservas ucranianas, Trump ofereceu apoio ao país na guerra, em troca de áreas para a exploração de terras raras.

Brasil, vice-líder

Distante dos conflitos internacionais, o Brasil detém a segunda maior reserva de terras raras do mundo — e poderia ser protagonista nesse mercado. Na prática, porém, as vantagens competitivas inexistem.

O Ministério de Minas e Energia (MME) contabiliza que as reservas nacionais de terras raras somam 21 milhões de toneladas, 23% do total global, menores apenas que as da China, de 44 milhões de toneladas. O Brasil tem, ainda, cerca de 10% das reservas mundiais de minerais críticos, com a maior reserva de nióbio, a segunda maior de grafite e a terceira maior de níquel, além de minas de lítio, ferro e cobre. Assim como as terras raras, os minerais críticos são fundamentais na cadeia produtiva das tecnologias digitais.

Segundo o estudo Minerais críticos do futuro e o papel estratégico do Brasil na transição para uma economia de baixo carbono, produzido pela Deloitte, se o Brasil investir em novas minas, transformando as atuais reservas em produções ativas, o resultado econômico pode chegar a R$ 233 bilhões em 2050. “O País sempre foi reativo nesse campo e optou por investir nas commodities que geram riqueza, como o petróleo e o Agronegócio. O que houve foram discursos ufanistas, como no caso do nióbio. Faltou visão política e não sabemos como extrair. Estamos atrasados”, afirma Fernando Brancoli, professor-adjunto de Segurança Internacional e de Geopolítica no Instituto de Relações Internacionais e Defesa (Irid) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Uma saída, sugere o professor, seria a cooperação internacional, como houve com a França na construção do submarino nuclear, com contrapartidas e investimentos. “São projetos que envolveriam universidades e centros de pesquisa”, observa.

Para Fernando Landgraf, professor titular na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e coordenador do programa de terras raras do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), há, ainda, a indefinição sobre quem seriam os clientes da produção nacional. “O principal comprador é a China, responsável por 90% dos ímãs usados no mundo. Qualquer projeto brasileiro precisa comprovar viabilidade”, pontua. Hoje, as poucas empresas que atuam no Brasil, como a Serra Verde, a Meteoric e a Energy Fuels, exportam um concentrado de terras raras para a China, explica o professor. E acrescenta que há dúvidas quanto ao mercado aceitar a eventual produção de ímãs por uma empresa instalada fora do país asiático. Como exemplo, cita a fábrica de carros elétricos BYD, em Salvador, na Bahia, que anunciou não utilizar componentes brasileiros na produção de seus automóveis.

Nem tão rara

Apesar do nome, as terras raras são abundantes. A expressão está mais relacionada ao processo de extração e separação do que à escassez. Tecnicamente, terras raras são um conjunto de 17 elementos químicos encontrados em minérios como monazita, xenotima, bastnaesita e loparita. A monazita, por exemplo, é comum no Brasil e está presente em solos ricos de argila iônica, em áreas de vulcões extintos há milhões de anos, principalmente no sul de Minas Gerais — nos municípios de Poços de Caldas, Araxá e Andradas — e em Goiás, locais onde já há projetos de extração. Os elementos químicos mais cobiçados são praseodímio, neodímio, disprósio e térbio, todos com fortes propriedades magnéticas.

Trata-se, no entanto, de um método custoso e pouco atrativo se comparado com o de extração de minérios como ouro, níquel e cobre. O teor de terras raras é de apenas 3% no minério, o que exige um longo e complexo processo hidrometalúrgico, que envolve operações de extração por solventes, troca iônica e cristalização, inviabilizando a exportação pura e simples do minério, técnica dominada pela China.

“O Brasil não dispõe de tecnologia para aproveitar as terras raras”, afirma Osvaldo Antonio Serra, professor titular de Química no campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Segundo o pesquisador, a alternativa seria construir uma cadeia produtiva completa, incluindo a mineração, a separação e a produção de fósforos, ímãs e catalisadores. “Temos cientistas prontos para avançar nesse tema”, destaca.

Há 64 anos mergulhado no assunto, Serra lamenta a falta de apoio do governo e da inciativa privada, além de alertar quanto às consequências ambientais. “Toda mineração carrega um enorme desafio em relação ao meio ambiente. A reutilização obrigatória da água deveria ser de 99%, e não de 95%. Os resíduos não podem ser colocados em barragens, pois sabemos dos perigos, como ocorreu em Mariana e Brumadinho. A legislação não é ruim. O problema é a fiscalização”, critica.

Segundo o MME, o governo federal está empenhado em “fomentar uma mineração alinhada com os princípios da transição energética e da sustentabilidade”. Dentre as principais ações, informa o Ministério, ressaltam-se o lançamento de um edital, em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), focado em transformação mineral — com R$ 5 bilhões para apoio a projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação —, e a instalação de plantas industriais para processar minerais estratégicos, incluindo terras raras.

O MME cita, ainda, o Decreto 11.964/2024, que possibilita a emissão de debêntures com incentivos fiscais a projetos orientados para a transformação de minerais estratégicos em produtos essenciais à transição energética, o que deve beneficiar os empreendimentos que produzem ímãs permanentes. Há, também, o projeto MagBras, que tem o objetivo de estabelecer uma cadeia nacional de ímãs permanentes, reunindo diversas empresas, em parceria com o Instituto de Terras Raras do Centro de Inovação e Tecnologia (CIT Senai ITR), sediado em Minas Gerais.

Matéria originalmente publicada no site da Revista Problemas Brasileiros, uma realização da Federação.

A FecomercioSP acredita que a informação aprofundada é um instrumento fundamental de qualificação do debate público sobre assuntos importantes não só para a classe empresarial, mas para toda a sociedade. É neste sentido que a entidade publica, bimestralmente, a Revista Problemas Brasileiros.

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